Friday

Nem todos os caminhos vão dar a Roma. Há circuitos fechados que não passam por Roma nem por perto de Roma. Mesmo numa perspectiva elementar, que admitisse Roma como o centro do Universo, nem todos os caminhos lá iriam dar.

Mudaram muito as coisas desde a Antiguidade. A sucessão dos anos quebrou os caminhos e os destinos e pode mesmo acontecer que num futuro próximo nenhum caminho vá dar a Roma.

Isto é uma coisa que eu posso dizer quase sem que se note a emoção que provavelmente estou a ter enquanto o digo. Roma e Pavia não se fizeram num dia.

Não há coisa alguma a que se dê valor que se faça apenas num dia. E esse, bem vistas as coisas, pode ser o grande segredo da humanidade: às certezas e às incertezas há que dar um tempo medido em vidas humanas em vez de dias.

Não sendo de excluir essa hipótese de nenhum caminho ir dar a Roma, e tomando isso como um exemplo dos inúmeros caminhos que, de repente, deixam de existir, que, de repente, deixam de fazer sentido, percebe-se melhor, o que não quer dizer muito, que um dia, um mísero dia, não dê para construir nada para além de curtas ilusões.

Eu não sei o caminho para Roma. Nunca soube e também nunca tive necessidade de saber. Os caminhos que chegamos a saber nunca os esquecemos. Ficam gravados em profundidade e basta deixar os passos seguirem no seu automatismo de sobrevivência para encontrar sem artifícios o lugar de regresso.

Mas, enquanto isso, Roma, tal como Pavia, e tal como os caminhos que chegam a Roma e a Pavia, e que, como sabemos, não se fazem num dia, vão-se fazendo todos os dias e tornando-se outras coisas, outros caminhos, outras formas e outras metáforas. Há sempre um tempo a passar e a querer pôr mais um segundo no segundo anterior, indiferentes todos aos males que causam, às ilusões que criam, ao tédio que provocam.

Nunca fui a Roma. Nem em sonhos. E por isso não fui ver o Papa. Veio ele ver-me numa tarde inesperada. Essa tarde em que não fui a Roma, essa tarde que trouxe Roma a mim, porque a trouxe o Papa, dei-lhe a mão para subirmos a avenida de Liberdade. Não dei a mão a Roma nem ao Papa por que eu já me tinha afastado das agitadas águas sagradas mas ainda não sabia nadar o suficiente para chegar à praia e voar. Por isso dei-lhe a mão com o medo estranho e perturbante de quem dá a mão para segurar quem espera que segure a mão e tudo o que traz uma mão. Poderia lembrar-me hoje, como então, de como um caminho que não vai dar a Roma, nem passa perto de Roma, pode ser feito de mão dada a um desejo que não acontecerá.

Não foi nesse dia que vi os dois lados da questão. Nem sei se nesse dia vi algum lado. Sá mais tarde, revendo assustado os efeitos na pele, percebi que dar uma mão para subir a avenida da Liberdade pode ficar marcado a fogo.

O estado de repouso ou de movimento uniforme é alterado sempre que é aplicada uma força. Aplicada a força, perdi-me. Sim, foi aí que me perdi. Pelo menos hoje foi aí que me perdi. O primeiro dos caminhos para Roma foi pela avenida da Liberdade. Um caminho falhado por medo dos salteadores, das ofertas tentadoras que esperam das margens trocar trocos por carícias. Não foi por aí que pude chegar a Roma. Nada se faz num dia.