Sunday

Faz todo o sentido que te procure aqui em casa através dos teus vestígios. Alguns sinais são sinais que eu vejo como sinais, mesmo que não sejam sinais que aqui tenhas deixado. Por questões históricas esta casa não é a tua casa mas foi construída como se fosse para ser a casa que eu queria que te acolhesse. Que te acolhesse a ti mais do que me acolhe a mim. Por que eu tenho uma relação com as coisas que não se consegue enquadrar na posse. Não deixa de ser posse mas é uma relação dupla: as coisas são minhas mas eu não me sinto à vontade para dispor delas como é próprio de quem toma posse das coisas. Por isso a casa foi feita assim com uma forma que é a minha forma mas que não tinha que ser para eu dispor dela. Isto não é muito claro. Tenho algumas dificuldades em questões relacionadas com a propriedade. Também não gosto de coisas que são de todos. Mas não tenho arcaboiço para dizer que isto ou aquilo é meu e tirar daí alguma forma de prazer ou possibilidade. Pode ser uma simples questão de palavras.

Mas a casa, por força da sua génese, está recheada de vestígios de ti. Alguns são óbvios porque são marcas que eu instalei para que se vissem. Outros são acumulações de sentido que se foram fazendo com a tua presença ou com a tua hipótese de ausência. Vejo-os e tornaram-se familiares e não tenho outra coisa para fazer com eles senão mantê-los nos lugares de denúncia e sugestão.

É provável que uma ausência se esqueça melhor quando faltam os seus sinais. E seria essa a minha perspectiva se quisesse esquecer. Mas vai-se tornando claro que não quero substituir os teus sinais por outros: substituo-te a ti pelos teus sinais. E o tempo há-de passar assim, como passou sempre por todos esses séculos, indiferente e compenetrado da sua estranha missão. Mas não me interessa que o teu lugar volte a ser um lugar ocupado mesmo sabendo do remoto sentido que posso dar ao teu regresso, depois de ganhar consciência que os meus sinais não ficaram assim marcados em nenhum dos lugares por onde os teus passos hoje te encaminham.

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