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Parece-me haver dois tipos de filosofias: as muito complicadas e as muito simples.

As complicadas são, como o próprio nome indica, muito difíceis de entender. Têm geralmente a ver com conceitos fundamentais muito específicos, encadeados e reencadeados uns nos outros, e precisam de dedicação, de muita atenção, de vontade e de treino para serem compreendidos, sentidos e usados. Referem a natureza profunda das coisas, do universo, da vida, do princípio, do fim, do sentido, da linguagem, da verdade, etc. No essencial reflectem a perplexidade de se ter organizado na Terra matéria que tem consciência e razão.

Os problemas filosóficos que encontram solução experimental, deixam de ser importantes para a filosofia e passam a chamar-se ciência. A ciência seria então a área da filosofia que trata de problemas em que a experiência corrobora a razão e vice-versa.

Que por vezes esta filosofia complexa pareça um jogo conceptual, cheio de artifícios mentais e truques de pensamento, não é de estranhar, uma vez que labora com os materiais da natureza humana, para quem o jogo é a peça chave que motiva ao movimento perpétuo: "a Vida é um jogo"; "Deus joga aos dados com o Universo"; "o jogo dos possíveis".

Por seu lado as filosofias simples são as que estão ligadas ao senso comum e à acumulação de sabedoria na experiência do tempo. E nessa perspectiva todo o homem nasce filósofo: todo o homem tem curiosidade, se interroga, se projecta no tempo, faz antecipação da realidade, sente a angústia de ser e procura dar consistência ao seu eu. A cristalização a que a rotina da vida obriga é que é responsável pelo abandono das perguntas e pelo cada vez maior apego a certezas que dêem segurança e amparo. Esse é, provavelmente, o mecanismo regular do crescimento. A cada dia que passa traz mais vantagens estar certo de algo indemonstrável, do que hesitante numa escolha sem garantias. Vale mais um pássaro na mão do que três a voar.

Há também, além destas, outras filosofias difíceis que se confundem com as primeiras: são as filosofias do ruído. São adoptadas pelos 'filósofos' da imagem que existiram em todas as épocas, atraídos pelo prestígio que parece rodear os que se afirmam pelo conhecimento. Estão convencidos que se usarem um grande número de palavras difíceis ditas de enfiada, com o rosto muito compenetrado, se não se pentearem e derem um ar tresloucado, ao mesmo tempo que divagam muito convictos, cheios de indemonstráveis citações e frases obscuras e impenetráveis, vão ter a admiração do povo e dos seus pares, ambos aflitos por receio de não estarem à altura de compreender tão elevada sumidade.

Às vezes não é fácil distinguir os primeiros dos últimos...

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